O Papel do Pai
Frente à angústia, a confusão, e o cansaço que sofremos quando temos filhos pequenos nós mulheres queríamos ter a mão uma série de “obrigações” para empurrar ao varão a quem percebemos mais livres e autônomos e com uma vida que não mudou tão drasticamente como a nossa. Somos nós mulheres quem necessitamos crer que um “bom pai” se ocupa de tal e qual maneira dos filhos que temos em comum. Mas quanto isto não ocorre, nos constrange o rancor e o desapontamento.
O papel que cada um assume são fatos culturais. Os personagens que repartimos entre todos para que uma cena possa ser representada. De forma que, quando uma criança entra em cena (ou nasce), todos os papéis que tínhamos nos atribuído se desacomodam. Nós as mulheres nos encontramos em lugares que não havíamos disposto de nós mesmas, nos sentimos fora do mundo, sós, exageradamente solicitadas, destroçadas, entre permanecer nos lugares onde havíamos forjado nossa identidade, ou pendentes das necessidades da criança pequena. Frente a este panorama observamos o varão que não está nem destroçado nem lutando entre novas e velhas identidades, nem ferido, nem esgotado. Por tanto nos parece evidente que teria que assumir parte das tarefas que por caráter transitivo de gênero, assumimos quando nos tornamos mãe. E assim se põem manifestos os desacordos ocultos do casal.
Pois bem. Sobre tudo isso vale apena conversar. Porque a presença de uma criança nos obriga a pensar como vivemos, o que esperamos uns dos outros, que organização familiar estamos dispostos a construir e quanta generosidade temos disponíveis. Por outra parte, os papéis que assumimos serão funcionais de acordo a se planejamos juntos ou não. Por exemplo, se assumimos que a mãe vai se encarregar emocionalmente da criança, necessitará que alguém se encarregue emocionalmente dela. E o varão que tem ao lado dela possivelmente seja o melhor postulante para esse papel. Nesse caso não importa o que faz em função a paternidade, não importa se dá o banho, ou se acorda a noite para acalmá-lo. Porque é pai na medida em que sustenta emocionalmente a mãe para que tenha forças afetivas suficientes para embalar a criança.
Em troca se a mães não tem disponibilidade emocional para a criança, ou não tem possibilidades de permanecer ao seu lado por que a economia familiar depende dela: possivelmente tenha um varão mais carinhoso e em aparência “bom pai” que se ocupa da criança. Sem embargo, de um modo pouco visível está obrigando a sua mulher a abandonar seu desdobramento maternante e desviando sua preocupação para a aquisição de alimento. Nestes casos, o varão não possibilita nem facilita uma permanência suave e dedicada da mãe até seu filho. E isto não é um dado menor, ainda que nós mulheres modernas crêssemos que a igualdade de direitos se baseia em que tanto as mulheres como os homens assumimos indistintamente a criação dos filhos: do ponto de vista da criança, não é o mesmo receber cuidados “ maternantes” femininos que cuidados “partenantes” masculinos. E isso que nem se quer estamos falando da amamentação, fato que requer permanência e disponibilidade insubstituível por parte da mãe.
O ideal seria que os papéis estivessem atribuídos para jogar o jogo familiar. A maioria das vezes isto não ocorre. Há um papel que poucas vezes assumimos, sejamos mulheres ou homens. É o papel de quem se despoja de suas próprias necessidades a favor das necessidades básicas impostergáveis urgentes e insubstituíveis das crianças pequenas. Quando subestimamos os tempos lentos das crianças, a necessidade de contato, de braços, de presença física e de escuta genuína, ninguém assume o seu papel.
Falar do que cabe ao pai fazer ou do que corresponde fazer a mãe, nos coloca na luta interminável por quem consegue resguardar mais de si mesmo. É verdade que nos falta jogar para a cena familiar. Na maioria dos casos ficamos sem família estendida, sem bairro, sem aldeia, sem mulheres experimentadas nem grupos de pares para fazermos cargo mancomunadamente das crianças pequenas. Estamos todos muito sós e exigidos. Nesse sentido, os varões que desejam ser bons pais tão pouco conseguem responder as expectativas. Falham. Estão cansados. Recebem palavras de desprezo. Se sentem pouco valiosos. Escassamente potentes. E supõem que deveríam fazer o que não fazem, quer dizer, chegar cedo a casa, se ocupar da criança, acalmá-la, brincar com ela, ser paciente.
Pensar o papel do pai dentro da família moderna tem que coincidir com o pensamento mais generalizado sobre como vivemos todos nós, como e onde trabalhamos, como circula o dinheiro, quem administra, como nos viramos a respeito do poder dentro das relações, como circula o amor e o diálogo dentro do casal e sobre tudo qual a importância que damos a liberdade e a autonomia pessoais. Porque é importante ter em conta que se estamos apegados a própria autonomia a criança não conseguirá receber o que precisa. E se recebe o tempo e a dedicação será em detrimento da liberdade da mãe. E desde esse lugar da perda de liberdade, nós as mulheres nos colocamos exigentes com os varões, queremos definir claramente qual papel eles deveriam assumir. Com o que estamos chateados uns com os outros. Por isso não passa por lutar para determinar quem tem mais liberdade, atribuindo deveres a torto e a direito, porém passa por revisar qual capacidade de entrega temos uns com os outros. A maternidade e a paternidade não combinam muito com a autonomia e a liberdade pessoal. Nesse ponto dá na mesma ser mulher ou homem.
Talvez seja tempo de olharmos honestamente e reconhecer o que é que cada um de nós está disposto a dar. Comprometermo-nos a isso e não mais. Aceitar nossas limitações e nos darmos conta que nos complementamos. Que há algo que o outro oferece que ele mesmo não seria capaz e que se não dá “tudo” que queríamos, não o coloca no lugar de “não dá nada” e sim “que dá algo diferente”. Desse modo perdem sentido todas as discussões sobre os papéis adequados, o que se deve ou não fazer frente a algo tão difícil como criar crianças pequenas.
Laura Gutman
Tradução Flavia Penido
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